A ocorrência de uma fraude bancária que usa dados de acesso cedidos pela própria vítima, como chave de segurança e selfie (autorretrato), não afasta a responsabilidade do banco se esses elementos estiverem desacompanhados de validação biométrica prévia e as transações destoarem do perfil do cliente.
Com esse entendimento, o 2º Núcleo de Justiça 4.0 — Cível Privado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a condenação do Bradesco e de uma fintech vinculada a ele a ressarcir, em dobro, os valores transferidos por uma vítima a golpistas via Pix.
As instituições também foram condenadas ao pagamento de indenização por danos morais.
Segundo o processo, o consumidor Heverton Coimbra Pereira foi alvo de fraude eletrônica em que fez quatro transferências sequenciais via Pix, no total de R$ 10,2 mil. Ele contestou as operações imediatamente, alegando que elas foram feitas sem seu consentimento, mas não obteve solução pela via administrativa.
Na defesa, o banco e a fintech alegaram que o próprio autor confessou ter sido “manipulado pelos fraudadores”, forneceu voluntariamente seus dados, senhas e validou as transações.
Os bancos sustentaram a tese de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, afirmando que o Pix é instantâneo e foi confirmado pelo uso de senha e chave de segurança.
Para corroborar a suposta legitimidade das movimentações, as empresas apresentaram registros de localização e uma selfie do cliente, argumentando que a foto comprovava a validação de segurança no aplicativo.
Falha de segurança
O juiz auxiliar de segundo grau Wauner Batista Ferreira Machado, relator do caso, rejeitou os argumentos da defesa. Segundo ele, a atipicidade das movimentações em relação ao padrão de consumo do autor configura prova da falha no dever de segurança.
“A instituição financeira tem o dever de adotar mecanismos que obstem operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, o que denota a vulnerabilidade do sistema bancário”, afirmou o magistrado.
Sobre a prova técnica apresentada pelos bancos (selfie), o colegiado a considerou insuficiente para atestar a vontade consciente do consumidor, uma vez que não houve cruzamento de dados biométricos.
“Os documentos unilaterais e a simples selfie, desacompanhada de indicativo de biometria facial com registro prévio, não possuem o condão de demonstrar que as transações se deram por vontade do autor”, apontou o relator.
O tribunal manteve a condenação à restituição em dobro do prejuízo material, totalizando R$ 20.476. A decisão aplicou a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça (EAREsp 600.663) que prevê essa penalidade para cobranças indevidas contrárias à boa-fé objetiva ocorridas depois de 30 de março de 2021.
Além do ressarcimento, foi mantida a indenização de R$ 5 mil por danos morais, sob o fundamento de que a fraude e os transtornos para resolver o problema extrapolam o mero aborrecimento cotidiano.
O consumidor foi representado pelo advogado Elivaldo Neto, do escritório Pacheco & Reis Advogados.
Fonte: Conjur
