A Lei das Eleições e a Resolução 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral estipulam que propagandas eleitorais na internet devem ser identificadas como tal e só podem ser impulsionadas pelos partidos, coligações, candidatos ou seus representantes, por meio de contrato direto com as plataformas.
Foi com esse fundamento que o juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, condenou o empresário Pablo Marçal à inelegibilidade por oito anos, contados a partir das eleições de 2024.
O autodenominado “ex-coach” foi punido pela prática de remunerar pessoas que faziam “cortes” para as redes sociais de conteúdos sobre sua candidatura à Prefeitura de São Paulo, no ano passado.
Marçal já estava inelegível por oito anos desde uma sentença em fevereiro, quando o mesmo magistrado o condenou por abuso de poder político e econômico. Naquela ação, Marçal foi punido por ter prometido que “venderia seu apoio” a políticos de direita em troca de doações para sua campanha.
Na nova condenação, Marçal foi punido por uso indevido dos meios de comunicação social, captação ilícita de recursos e abuso de poder econômico.
Além da inelegibilidade, o empresário foi condenado a pagar uma multa de R$ 420 mil pelo descumprimento de uma decisão liminar de agosto do ano passado. Naquela ocasião, o magistrado havia suspendido os perfis oficiais do candidato nas redes sociais até o fim das eleições e proibido o empresário de remunerar os “cortadores”.
Contexto
A liminar descumprida foi concedida em uma ação de investigação judicial eleitoral (Aije) proposta pelo diretório municipal do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Já a sentença vale para essa e mais duas ações similares, movidas pelo Ministério Público Eleitoral e pela vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL).
De acordo com o PSB, Marçal desenvolveu uma estratégia de cooptação de colaboradores para disseminar seus conteúdos em redes sociais e serviços de streaming de forma ilícita e abusiva.
O partido afirmou que a campanha de Marçal passou a usar um aplicativo de corte, no qual o usuário se cadastrava e aprendia a cortar os vídeos do candidato. Após a publicação do corte, o usuário passava a ser remunerado pelo ex-coach ou por suas empresas conforme o número de visualizações obtidas.
Com essa estratégia, segundo a legenda, Marçal conseguiu mais de cinco mil pessoas para fazer cortes de seus conteúdos. Isso lhe garantiu dois bilhões de visualizações no TikTok e dobrou o tamanho de seu Instagram.
A petição inicial apontou que Marçal e suas empresas pagaram grandes quantias ao “exército de cortadores”, tudo “por fora” das ferramentas oferecidas pelas plataformas.
A agremiação alegou que isso não se enquadra como impulsionamento lícito ou contratação regular de pessoas para campanha, já que a origem da remuneração é desconhecida.
As mesmas alegações foram feitas nas outras duas ações. O MPE ainda apontou que, após o primeiro debate entre candidatos a prefeito em São Paulo, Marçal divulgou em suas redes sociais um post no qual prometia sortear um boné com a letra M (símbolo de sua campanha) entre todos que marcassem outras três pessoas na publicação.
Na liminar do último ano, Zorz viu indícios razoáveis de que o ex-coach “tem fomentado há algum tempo, por meio da rede social, uma arquitetura aprofundada e consistente na capilaridade e alcance de sua imagem”.
O juiz observou que os seguidores do candidato buscavam likes em troca de vantagens econômicas. Os cortes chegaram “a um sem número de pessoas, num espantoso movimento multiplicador e sem fim”. O comando para isso era propagado por meio de um “campeonato” que impulsionava “a imagem e de maneira clara a própria campanha”.
Fundamentação
Na sentença, o magistrado reforçou que a campanha usou um canal na plataforma Discord para ensinar os usuários a efetuar os cortes de conteúdos. A partir disso, os cortadores criaram diversos canais em redes sociais para divulgar os cortes, com o intuito de ganhar o concurso.
Segundo Zorz, o próprio Marçal admitiu ter centenas de “alunos” enriquecendo com a multiplicação de sua imagem e confessou que não conseguiria atingir o gigantesco número de visualizações nas redes sociais sem o impulsionamento pago por meio de terceiros.
“A estratégia correspondente ao impulsionamento de cortes efetuados por terceiras pessoas trouxe ao réu uma vantagem indevida considerada a fraude na mobilização artificialmente ocorrida para que fosse criada a impressão de havia uma onda genuína de apoio a suas ideias e plataforma política, mas que foi motivada pela perspectiva de ganhos financeiros conforme regulamento e premiação”, assinalou o juiz.
Na visão do magistrado, o impulsionamento ilícito dos cortes de vídeos por meio do Discord “teve potencialidade para macular a integridade do processo eleitoral em razão do efeito que produziram na consciência política dos cidadãos e das ações daí decorrentes”.
Ele ainda ressaltou que, para configurar os ilícitos, não é necessária a comprovação de pagamento dos cortadores: basta a promessa de remuneração.
Quanto ao sorteio do boné, Zorz considerou que a estratégia “trouxe ao réu uma vantagem indevida” semelhante, com o intuito de causar a impressão de que havia “uma onda genuína de onipresença de sua pré-candidatura nas redes sociais”. Isso distorceu “o ambiente informacional de engajamento popular espontâneo” e maximizou o impulsionamento.
Por fim, o juiz notou que, após a liminar, a comunidade permaneceu ativa no Discord. Além disso, o próprio Marçal estimulou que os usuários continuassem promovendo os cortes. Foi isso que justificou a multa.
Fonte: Conjur