É possível reduzir a cláusula penal nos casos de distrato na compra de imóvel quando sua aplicação, ainda que nos limites da lei, mostrar-se excessiva e levar à perda total do valor pago pelo comprador.
A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial de uma empresa de alimentos em disputa com uma outra de empreendimentos imobiliários.
A primeira comprou um imóvel da segunda, mas posteriormente houve rescisão. Pelo contrato, a dona do empreendimento poderia reter 10% do valor total do negócio, o que resultaria em ficar com tudo o que já havia sido pago pela compradora.
Essa medida, embora autorizada pelo artigo 32-A da Lei do Distrato (Lei 6.766/1979), é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, cujo artigo 53 considera nulas as cláusulas que levarem à perda total das prestações pagas após a resolução do contrato de compra e venda.
Esse conflito de normas vem sendo resolvido pela 3ª Turma do STJ dando prevalência às leis consumeristas. Com base nesse precedente, o colegiado limitou a retenção a 25% do valor já pago pela empresa compradora.
Lei do Distrato x CDC
Relator do recurso especial, o ministro Moura Ribeiro defendeu a relativização do artigo 32-A da Lei do Distrato, considerando que a limitação da retenção em favor do devedor não deve causar prejuízo ao credor.
Isso porque ele recuperará o imóvel, que poderá ser vendido novamente, talvez por um preço maior. Já para o comprador, a retenção de 10% do valor do contrato implicaria perder tudo o que foi investido.
Assim, o magistrado defendeu a prevalência do CDC como forma de evitar a excessiva onerosidade e o enriquecimento ilícito. A redução proposta, para 25% sobre o valor pago pelo comprador, mostra-se em tudo e por tudo razoável, segundo Moura Ribeiro.
“Não se pode esquecer, até mesmo, que o capital, antes de tudo, deve ser humanista, ter bom perfume, ter alma”, disse o relator.
Proteção do mercado
O advogado Antônio Carlos Tessitore, que representou o comprador no processo, observou que as compras parceladas normalmente se referem a imóveis em construção, em que o distrato ocorre sem que o comprador tenha sequer usufruído do bem.
Assim, ao receber o imóvel de volta, quem vendeu retém 25% do valor pago e ainda tem à disposição um imóvel valorizado (mais construído ou até pronto) em relação ao período em que o contrato de compra e venda foi feito.
Nesse cenário, a suposta proteção do mercado não é justificativa para permitir a aplicação crua da Lei do Distrato, se isso representar a retenção total. O advogado ainda destacou que a venda parcelada é uma opção empresarial cujo risco não pode ser transferido ao consumidor.
“Historicamente, o mercado imobiliário se desenvolveu sob a ótica de retenções moderadas. Até pouco tempo, o patamar de 25% era visto como limite máximo, e grande parte das decisões judiciais determinava a devolução de 80% a 90% dos valores pagos”.
“Isso não impediu a expansão do setor, nem transformou construtoras e loteadoras em ‘instituições financeiras’, como alguns gostam de mencionar, mas apenas contribuiu para mitigar o desequilíbrio estrutural que marca essa modalidade contratual”, complementou Tessitore.
Fonte: Conjur

